O mundo virtual de Dolores (quinto capítulo)

8:10, sexta feira

"O sol parecia estar com raiva, dava pra sentir a pele querendo sair de meu corpo, pelo menos desse plano, o ar nem parecia que era úmido, minha boca o sugava pela respiração como se tivesse passando entre um buraco de minhoca, era algo surreal, não dava para imaginar que nesse mesmo dia tinha chovido horrores. Parecia que as fotos que tirei tinham sido repleta de ruídos sonoros que mudavam a estética visual, meu corpo não era apenas um corpo, era um conjunto de partes de um corpo, mesmo sendo apenas um."

Para Dolores, a melhor forma de lidar com situações delicadas é através da criação, seja por um jogo que dedicou seu tempo trabalhando, seja em textos que publicava quando podia em seu blog pessoal. Algumas horas tinham se passado depois daquela performance, a lembrança de tudo o que viveu com Zeref não parava de surgir em formato de flashback em sua cabeça. Dolores pensava em alguma forma de tentar tirar esses pensamentos, uma parcela de culpa ainda existia dentro de si, mesmo sabendo que a verdade era que não tinha nada a ver com tudo isso, mas o ser humano erra, assim como o destino. O destino é algo imprevisível, não temos controle sobre ele, muitas pessoas nem acreditam nele, as vezes o que resta de nós é aceitar os erros do destino e simplesmente tentar transformá-los em motivos para existirmos todos os dias, lutando e tentando construir coisas diferentes, coisas que muitas pessoas talvez nem dão valor, mas que possuem uma essência potente para transformar o mundo. Dolores queria que tudo fosse diferente, queria que Zeref melhorasse como pessoa desde pequeno, mesmo tendo a influência de sua família extremamente preconceituosa. Para ela, qualquer ser humano pode aprender com seus erros. O erro era um assunto que passava pela sua cabeça todos os dias, inclusive em seu trabalho, criando jogos online.

chamada recebida
toque: Dolores - Agnes e Xamã

-Oi Iris, ia te ligar mais cedo, mas tava escrevendo umas coisas e arrumando umas coisas no meu blog.
-Olá, hahaha, não se preocupe. Você está melhor?
-Sim, refleti bastante e acho que estou um pouco melhor.
-Perfeito então. Então, nossa equipe tá pensando num projeto legal pra um jogo, com a pauta de música, claro.
-Hmm, me conte mais sobre.
-A gente queria colocar mais instrumentos, além do piano. O problema é que já existem muitos jogos assim, então não sei se seria algo repetitivo.
-Menina eu tive uma ideia louca aqui agora, você conhece Glitch Art?
-Já ouvi falar, mas não tenho muito embasamento
-Vou te mandar uns links legais sobre, eu pensei em fazer algo completamente diferente, se não der certo não tem problema hahahaha, pelo menos tentamos.
-Você e suas loucuras, te adoro por isso.
-Te adoro também, e eu amei ontem, apesar de tudo.
-Que bom, fico feliz em ouvir isso.

chamada finalizada...

Dolores e Iris trabalham em seus respectivos computadores, juntamente com sua equipe virtual, o dia inteiro. A produção foi tanta que Dolores preferiu faltar à aula da faculdade. A ideia do projeto com o Glitch art (music), era introduzir nas composições musicais estilos diferentes de expressão, como por exemplo os zumbidos elétricos, distorções digitais e arranhões. Inicialmente tinham medo do público não gostar da criação, ou acharem que seriam erros ou bugs do próprio jogo, mas ao mesmo tempo pensavam que seria incrível essa ideia, pois seriam novas possibilidades de música, inclusive a eletrônica. Pensando nisso, colocaram duas versões do jogo, a primeira era a sem o uso do Glitch Music, com as notas musicais padrões. O segundo, tinha diversas outras possibilidades de se produzir arte. E o melhor de tudo era que os players poderiam juntar as duas versões, para formarem combinações melódicas. Dolores tinha noção de que poderia não fazer sucesso, mas pelo menos ela e sua equipe deram tudo de si para criar, produzir, a partir desses erros. O erro se tornava presente de novo, e de novo, num loop infinito. A pauta do erro era uma maneira de lidar com seus monstros e tentar seguir em frente. Dolores então, refletindo sobre tudo isso, decide ter uma conversa séria com Zeref no dia seguinte.

chamando
ligação atendida... 

-Quem é?
-Sou eu, Dolores. Não desligue, eu só quero conversar com você, amanhã naquele local e horário que a gente se encontrava sempre.
-Tá bem... Mas não posso demorar muito.
-Certo.
 
Continua...

Referência de embasamento teórico: https://pt.wikipedia.org/wiki/Glitch_(m%C3%BAsica)

[Francisco Felipe Reis Alves]


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